terça-feira, 17 de setembro de 2013

O dia em que virei maratonista – parte 3

No início do ano, meu pai disse uma frase que se tornou a minha favorita sobre a maratona:
“A primeira metade é do cientista e a segunda, do artista.”

Eu já havia corrido os meus bem conhecidos 21km com a cabeça, administrando ritmo, hidratação e suplementação, e até mesmo a emoção. Agora chegara a hora de correr com o coração...

O Maurício, pai da minha amiga Mari Vilella, já havia corrido a maratona de Québec, e me alertou para que eu fosse preparada para correr duas provas, porque depois da metade, a temperatura subiria muito. Meu treinador, Marco Antônio Oliveira, disse que, além disso, eu teria subidas para enfrentar. Por esses motivos, ele dizia que a maratona de Québec não era uma prova fácil – ela não era nada favorável para quem buscava performance. Mas como eu só buscava completar a minha primeira maratona sem sofrimento e não estava preocupada em “fazer tempo”, não haveria problema.

Assim, eu que corria num ritmo médio pouco abaixo de 6min por km, senti a mudança de dificuldade da prova pelo km 24, onde começaram as subidas. Em paralelo, meu ritmo caiu.

Não importava. Eu havia chegado até ali e não tinha nenhuma marca para superar, a não ser a da distância. A toda hora eu pensava no meu treinamento e no que vocês escreveram pra mim. Pensava em todos que me deram exemplo, e nos que disseram que meu blog estava estimulando-os a praticar esportes. Por várias vezes cantei internamente “Don’t stop me now”, do Queen, que a Marcela Camargo me mandara antes de eu embarcar:

“Cause I'm having a good time having a good time. I'm a shooting star leaping through the sky. Like a tiger defying the laws of gravity. I'm a racing car passing by like Lady Godiva. I'm gonna go go go. There's no stopping me. I'm burning through the sky Yeah! Two hundred degrees. That's why they call me Mister Fahrenheit. I'm trav'ling at the speed of light”


Tá bom que eu estava beeem longe de estar na minha melhor velocidade (quem dirá na velocidade da luz! rs), mas eu estava aproveitando muito aquele momento, como eu me propora desde início da viagem.

Cada subidinha vencida era uma pequena conquista. Em alguns momentos batia maior cansaço e eu andava um pouquinho, mas daí queria logo continuar correndo, e continuávamos. Lembrei também do vídeo que a Tauanna me enviou na véspera, dizendo que tinha certeza que eu conseguiria e que em nenhum momento duvidara. Ela também dedicou pra mim a música “Pumped up kicks”, que ela sabia que eu gostava, porque dizia: “You better run, better run faster than my bullet”.

Olhei para as minhas unhas vermelhas (que sim, duraram bem até lá! Obrigada, Isabel!) e pensei: “aaah, eu sou poderosa!” rs. Ou como já diria a querida blogueira Giselli Souza, “sou uma diva que corre!” Lembrei-me da Giselli, da Aurea Bisan, e da Bia Ramos, que também nesse ano tinham completado sua primeira maratona.

Pronto, eu tinha reunido todos os pensamentos positivos do mundo! A essas alturas, minha mãe já teria acabado os 21,1km dela e eu ficava feliz por ela, que estaria nos esperando na chegada. Eu tinha meu pai ao meu lado, me apoiando a cada vez que eu ameaçava cair no choro. Era muita emoção concentrada em uma pequena pessoa só!

Km 25, km 27, km 30... eu já tinha feito todos esses treinos! Era tudo conhecido, cansava, mas eu já havia passado por eles. E mais uma vez eu estava deixando esses quilômetros pra trás, gastando a sola do tênis e ganhando mais quilometragem na vida. (Como meu pai brincou comigo depois, eu era uma mulher “rodada”! rs)

Já vínhamos subindo há um bom tempo. As subidinhas mais íngremes cansavam, mas o que pegava mesmo era a subida sutil que parecia não ter fim.

Foi então que no km 30 senti minhas coxas queimando! Bom, eu não conhecia o que viria a seguir. A partir daí, cada passo a mais era recorde! Eu poderia até parar por ali, que eu já teria tido uma conquista pessoal. Só que não! Cansaço era inevitável nessa altura do campeonato, mas como ele não estava me causando sofrimento, continuei correndo. Faltavam só mais 12km. Eram duas voltinhas na pista externa do Ibirapuera!

Cruzamos uma longa ponte sobre o rio. E por algum tempo não tivemos torcida. Algumas pessoas passavam pedalando em uma ciclovia que ladeava a larga faixa reservada à corrida. Éramos apenas nós corredores, nosso suor e nosso silêncio, o qual eu muitas vezes cortava com uma espécie de choro seco ou um esquisito grito que vinha de dentro. Do âmago. Como se minha energia tivesse sido concentrada no desenlace de um golpe conciso. De certa forma, isso me aliviava.

Não recordo das passagens exatas em que tomei os géis de carboidrato. Mas, após o primeiro, segui mais ou menos o intervalo de 45min entre um e outro, como o Marcão tinha me dito, e como eu já tinha experimentado nos treinos de 30km. Aliás, fiquei muito feliz por ter levado aqueles 3 géis no bolso, já que na prova eles entregaram um gel roxo de sabor bem ruim! (além de que vinha num copinho, então não tinha como guardar pra depois). Eu estava super feliz com o meu gel CLIF de raspberry - docinho que só ele!

Outra coisa legal que eles entregavam pelo caminho eram esponjas encharcadas de água. Esponjas azuis, amarelas e roxas também. A gente pegava aquela esponja macia e apertava nos braços, na nuca, no rosto, e até nas pernas. Era o céu! Tivemos esse refresco ao longo dos km 20, 27, 32 e 40.

Além das águas, dos isotônicos, dos géis, e das esponjas, eles estavam entregando banana no km 27. Comi um pedaço e guardei o resto no bolso. Logo resolvi jogar fora, porque queria meus bolsos livres e não tinha vontade nenhuma de comer. Eu só tinha sede! No km 34, foi a vez da laranja, e aquele pedaço cheio de suco foi muito bem vindo!

Nos quilômetros finais, alguém me cutucou e passou por mim: era a minha colega do tênis xará. Todos aqueles corredores ao nosso redor eram estrangeiros desconhecidos, mas éramos complacentes, pois dividíamos aquela experiência incrível da maratona. Os estrangeiros desconhecidos que estavam torcendo também me passavam algo de bom. Algo de muito bom. Era como se eles representassem uma extensão das pessoas que torciam por mim na maratona da vida. (Ok, ficou meio cafona isso, mas, quando se está emocionado, é isso que acontece: ficamos meio brega! rs)

A coxa já não queimava mais, mas eu estava cansada. Bem cansada! Naaada mais natural pra quem já estava correndo há tanto tempo! Meu pai olhou o relógio e adivinhei que eles estava fazendo os cálculos de tempo pra fecharmos a prova. - Você acha que por volta de 4h30 tá bom? - ele perguntou.

Eu disse que estava maravilhoso, que eu só queria chegar! Faltava pouco. Vi uns corredores que haviam acabado a prova e andavam nas calçadas, no nosso contra fluxo. Eles estavam com suas medalhas no pescoço e eu disse: “Vamos buscar aquela medalha!”

No meio da prova, algumas pessoas voluntariam-se para serem “coelhos”. Eles devem carregar uma plaquinha em que diz o tempo em que terminarão a prova. No início da maratona, estávamos próximos da coelha de 4h15. (Ela tinha orelhas e até tinha um pompom no shorts!) Agora ela passava por nós e eu já me conformara em não acabar a maratona naquele tempo.

Eu me sentia completamente viva e ficava impressionada com tudo que já havia percorrido. Não era fácil, mas, pensando bem, até que maratona era bem possível! Eu estava ali e estava conseguindo! Ao mesmo tempo, porém... as costas doíam, as pernas já haviam se acomodado com um passo lento, a lateral do tronco doía, eu não via a hora de chegar a próxima água... “Pai! Essa tal de maratona é foda!!” Com o perdão da palavra, mas esta era insubstituível naquela situação. Quem já correu maratona me entenderá!

Aliás, ainda bem que lá no meio da corrida e da torcida ninguém falava português, porque mais de uma vez, eu, com toda minha fineza, precisei descarregar um palavrão! Não tinha jeito! Qualquer construção linguística apresentável era complexa demais para aquele momento em que você é apenas um corpo e um turbilhão de sensações.

Faltavam 4, 3, faltavam 2km pra eu me tornar uma maratonista. Posto de hidratação à vista. Tomei o gel de gosto ruim que eles distribuíam, mandei pra dentro dois copinhos de água e um de isotônico. Tudo errado em termos de logística, porque muita água assim atrapalha a performance. Mas eu já não estava correndo como uma cientista e sim como uma artista, tirando forças sabe-se lá de onde. Eu só podia ser uma louca pra estar ali! Pra ter escolhido estar ali! No auge desse cansaço até disse pro meu pai que nunca mais correria outra maratona!

Não tive dores conhecidas: o joelho avisou que estava lá, mas tão logo chiou, logo ficou quietinho. A canela nunca mais soube o que era canelite. Nenhuma cãibra veio visitar minha panturrilha. O incômodo que eu sentia no peito do pé, semanas antes da viagem, desaparecera. As bolhas estavam em número muito pequeno para causar qualquer alarde. Em compensação... as costas e ombros reivindicaram seu direito de atenção! A lateral do tronco, que nunca comparecera aos treinos, resolveu causar estardalhaço! Faltava 1km e eu agradecia por meus ossos ainda estarem no devido lugar!

Já nem pensava mais. 200m e eu podia ver a linha de chegada. Meu pai me deu a mão e me puxou, literalmente. Corremos de mãos dadas. 100m. Os 100m mais longos da minha vida! Nem havia como sonhar em dar um sprint final (que eu já aprendera com o Marcão que não era certo, porque causava lesão). Contanto que eu continuasse correndo, eu chegaria. Ouvi alguém gritando o meu nome (havia lido no meu número de peito). Deu-me a força final. Mãos dadas com meu pai. Só mais um passo. Um pequeno passo para uma mulher. Um grande salto para a nova mulher. 

Stop. A vida parou. Ou foi o Garmin?
(Drummond, peço a sua licença para trocar o automóvel pelo Garmin!)

E então eu pisava no tapete vermelho que se estendera. Meu pai me levantou no ar e achei que aquele abraço iria me destroncar! rs Havia uma espécie de grade separando corredores de torcedores, e ali do outro lado: a minha mãe! A mais linda!

A parte de tirar uma foto do momento da chegada não funcionou tão bem. Minha mãe estava dando a volta, meu pai foi atrás dela e disse para eu esperar ali! Ali!!! E eu só queria a próxima água!...Esperei. Eles chegaram. Flash! Flash! Flash!

Só faltava "ela"... continuamos andando para buscá-la. E ela era minha. Merecidamente minha!
A medalha número 1 da tia Marina!


Galeria de flashs e números:






Alguns números que dizem bem menos do que as fotos e as palavras, mas todo mundo gosta de saber deles:
Meu número de peito: 1088 (Acabando com o ano do meu nascimento... achei demais!)
Distância percorrida: 42,540km (345m além dos oficiais 42,195km da maratona)! 
Tempo marcado no Garmin: 4h30min04s. 
Tempo oficial registrado pelo chip: 4:30:15.
Classificação por faixa etária (F 18-29 anos): 43/78
Classificação por sexo: 212/345

Por fim, para que vocês possam verificar cada um dos meus quilômetros, bem como a elevação do terreno; e para comprovar que eu estava lá e realmente completei a maratona (rs), segue o link do meu Garmin:

http://connect.garmin.com/activity/374763285




P.S: Lucas, meu irmão querido, vc não podia faltar aqui, porque pensei muito em você durante toda a maratona. Agora eu vou ter que voltar atrás do que disse no apogeu do meu cansaço... QUERO SIM CORRER OUTRAS MARATONAS! Não tão breve, mas quero! Topas me acompanhar? 

18 comentários:

  1. Respostas
    1. Obrigada, Naninha!
      Salvei seu vídeo e guardarei pra sempre comigo!
      Beijos!

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  2. Respostas
    1. hahaha
      Muito obrigada, Denis!!
      E aí, vai animar correr tbm? :)
      Beijos!

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  3. Marina querida,
    parabéns!!!!!
    Com sua narrativa, senti que corria com você.
    Para mim e para muitas pessoas um exemplo de superação de nossos próprios limites. Quantas vezes estamos tão próximos a desanimar, mas algo maior nos sustenta. A importância da união, a importância da família, a importância de aceitar com força, garra e ao mesmo tempo docilidade um desafio. Bjo e grande abraço.
    Marlene.

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    1. Marlene querida, obrigada pelas palavras!!!
      Quando escrevi esse post, foi como se eu estivesse lá novamente... Fiquei emocionada de novo! E é tão gostoso saber que eu tbm consegui te levar nessa viagem!
      A maratona é mesmo uma prova em que a gente busca a superação. E o legal é qnd a gente começa a levar o aprendizado que vivenciamos no esporte para os outros campos da vida!
      A maratona passou, mas continuarei escrevendo. Dividirei meus novos desafios com vcs e espero que também possam dividir os seus comigo!
      Mesmo te conhecendo apenas por aqui, vc já é uma pessoa muitíssimo especial que surgiu nesse meu ano! Obrigada por todo carinho!
      Beijos!

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    1. Obrigada, Monica!!!! =D
      Foi emocionante demais correr a maratona!
      Escrever foi outra emoção!
      Como vc está?! Correndo bastante?!
      Beijos!

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  5. Má, adorei seu texto!
    Me emocionei, mesmo que você já tinha me contado antes.
    E animo sim... Eu estou meio parado aqui mas vou ver se volto a correr mais... Quem sabe essa meia maratona aqui me dê uma animada!
    Quem sabe Paris ano que vem?!?!

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    1. Lu!! Fico muito feliz que vc gostou!!
      Vc sabe que vc é um daqueles que me inspira, né?! Se um dia eu for um pouquinho do que vc é de dedicado, nossa, vou conseguir tudo!!
      Uma ótima meia pra vc em Rennes! Anote como foi pra me contar depois, tá?! Posso fazer um post especial sobre isso!
      Ano que vem?! Ichi, e 2015? Paris é daquelas que o Marcão indica?!
      Beijos!!

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  6. Belo relato, muitos detalhes! Passou bem demais a sensação! Parabéns novamente!!

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    1. Muito obrigada, Daniel!!
      2015 é sua vez de debutar na maratona, hein! ;)
      Beijos!

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  7. Já tinha lido esse post, mas hj acordei meio desmotivada, na iminência de uma crise dos 25 (rs) e resolvi ler os três novamente.
    Me emocionei. Nao consigo imaginar a sensacao de ser uma maratonista, mas a emoçao da conquista e o amor incondicional dos seus pais me deixaram com os olhos cheios de lágrima!
    Incrível, Má!!

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    1. Marthinha, nada de crise dos 25! rs
      Próxima vez que nos encontrarmos, vou ver seus tênis, e depois vamos numa loja fazer teste de pisada e quem sabe escolher um tênis legal! Dependendo do preço, e de como os seus estiverem, vc deixa pra comprar em abril...
      Daqui a pouco vc estará no 5, e de repente nos 10km!
      E obrigada por me emocionar com as suas palavras.
      Linda!
      Beijos!

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  8. Olá Marina, tudo bem? Não sei se irá lembrar de mim, nos conhecemos rapidinho na wrun! tirei uma fotinha para você :D e vim conhecer seu blog!! Linda demais esta postagem adorei!!! Parabéns pela garra, pela simpatia e humildade, um exemplo para todos nós, principalmente para iniciantes como eu :)
    Muito sucesso para você viu!! Tudo de bom em sua vida e boas corridas!!! beijossssssssssssss

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    1. Sam!!
      Claro que eu me lembro de vc! A foto que vc tirou foi para o meu post da semana passada!
      Muito obrigada pelos elogios! Fico muito feliz que tenha gostado do texto!
      Você escolheu o meu post preferido para ler, sabia?! É que quando escrevi foi como se eu estivesse revivendo toda a emoção que senti durante a maratona! :)
      Muito sucesso para você também!! Que a gente possa se encontrar em outras corridas!
      Beijos!!!

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  9. Parabéna Marina! Bem legal o texto!! Este ano estarei lá... Tem muita subida mesmo? Varias?? rs Pesadas ou normais? Se puder dar umas dicas seria ótimo... principalmente das subidas... A prova é dia 24... Boa noite!! bjão!! Igor (do Instagram de hoje)

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    1. Olá, Igor!!
      Primeiramente, desculpa a demora em responder.
      Sua maratona está chegando!! A minha foi no dia 25/08/13. Nem acredito que já vai fazer 1 ano!
      Sim, a maratona de Québec tem subidas e elas começam por volta do km 24... vc passará por algumas mais íngremes que acabarão logo e por outras bem sutis, mas que demorarão pra acabar...
      Mas foi minha primeira maratona (e única por enquanto), por isso, não tome por base o meu parâmetro de "subida que não acaba mais"! rs
      No site da maratona vc pode ver um perfil topográfico da prova! Entre por esse link: http://www.couriraquebec.com/quebeccitymarathon/marathon_half-marathon_10k/
      De qualquer modo, acho que fez muito bem em escolher a maratona de Québec! Ela pode não ser das mais conhecidas, pode não ser planinha, pode não ter o melhor clima pra performance, mas ela é absolutamente linda!
      Não tenho muito com o que comparar, mas meu pai que já havia corrido 11 maratonas, disse que nenhuma tinha sido tão linda como a de Québec!
      Além de que a estrutura da prova é exemplar!
      Aproveite cada quilômetro e a cidade que é uma graça!
      Beijos,
      Marina.

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